Passo curto, armado. Lustrosa careca. Branco, olho claro. Xadrez na camisa, quase sempre. Na de hoje, dois tons de azul se cruzam.
Mesmo carro, a muitos anos. Gol prata, modelo antigo. Acabado. Mas anda, anda bem, é um Gol, afinal. "Não vendo, não troco, não dou", parodiaria, fosse um homem afável. Os fregueses antigos não reclamam do desconforto. Muitos na caderneta. Espiam a janela, logo vem um porteiro chamá-lo. Outros, telefonam; a depender das letras que piscam, ele atende a contragosto o aparelho gasto. Clientes novos, em geral, estão só de passagem. Se não há outro carro por perto, questionam apressados: "está livre?" Aprecia quando passam direto, ainda que pague "em cash" a imensa maioria. Como os velhinhos e velhinhas da clínica, seus prediletos. Não pedem para ir mais rápido, não suspiram em engarrafamentos.
As sete está no ponto. O mesmo, a longos anos, entre a clínica e a padaria. Todo dia, o dia todo. Faça chuva, faça sol. Aos sábados também. Alguns domingos, depende do freguês. Aproveita, vai até meio-dia. Nunca se sabe quem pode aparecer. Feriados, é igual. Dia santo, não.
Ao meio-dia, a patroa espera na cozinha, é perto a casa. A mulher prepara o prato imenso ao pé do fogão, ele senta a mesa e come, sem pressa. Deita meia hora, as duas está no ponto. Tarde ao meio, sol a pino, deixa o carro, atravessa a rua. À sombra mínima da calçada repleta de luz aperta os olhos e observa, aguardando. Logo logo sai alguém da clínica, ele balança a cabeça e se aproxima.
Tardezinha, é grande o movimento. As oito, recolhe o carro. Dorme horas completas, não há boletos do carro ao fim de cada mês. "Melhor assim", lacônicamente acena aos colegas de ofício.
Quando some, é que foi para a terra. Sua terra. Volta contente, quase sempre. Conta com gosto ao conterrâneo as novidades, é quando mais fala. Choveu. Não choveu. "O açude pegou água" - ele quase sorri. "Seu Manoel morreu", responde indiferente. "Vou novamente no natal", e ele se desarma, mostrando, afinal, os dentes.
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