1 de abr. de 2005

"Quando chego ao último nível, procuro um bem-estar que não vem".

Madalena repetiu a frase mentalmente, debruçada sobre sua solidão. Restava-lhe pouco a realizar agora, dentro de seu ritual contínuo de dor. Desejar ser outra pessoa. Aguardar. Ouvir os sons que a cercavam, distantes. Carros, alguns. Vozes dos passantes. Crianças no quarto. Passos que correm. Televisão. Alguma música inteligível.

O desejo de ser completa por si mesma persistindo em estar. A necessidade alheia pairando sua atmosfera. Mesmo do desejo de nada ser não dispor. Necessitar estar viva, necessitar estar bem. Necessitar aguardar. Necessitar estar a postos.

Ainda ontem foi lhe dito: precisa achar como soltar os podres. Os males. Os bichos, as mágoas. Mas renega a capacidade masculina de recompor-se. Junto à mesa, às garrafas, às conversas sempre as mesmas. Breve irá erguer-se, sonambulamente caminhar a casa, como se se tivessem apagado as luzes. Mecânica e monotóna cumprir seus ritos, dos quais se exaure.

Há dores profundíssimas porém, extensíssimas.

"Sou um barco sem rumo que navega um mar de sofrimento. Nestes longos meses, fui descascando como uma cebola, camada após camada, mudando, deixei de ser a mulher que era, minha filha me deu a oportunidade de olhar para dentro e descobrir os espaços interiores, grandes vazios escuros e estranhamente aprazíveis, que eu nunca havia explorado. São lugares sagrados e, para atingi-los, preciso percorrer um caminho estreito e cheio de obstáculos, vencer as feras da imaginação que saltam diante de mim. Quando o terror me paralisa, fecho os olhos e me abandono, com a sensação de submergir em águas agitadas, por entre os golpes furiosos das ondas. Acho que estou morrendo entre instantes que, na verdade, são eternos, mas pouco a pouco percebo que continou viva apesar de tudo, porque, no torvelinho feroz, há um resquício de misericórdia que me permite respirar. Deixo-me arrastar sem opor resistência e, aos poucos, o medo retrocede. Flutuando, penetro uma gruta submarina e lá descanso por algum tempo, a salvo dos dragões das desgraças. Choro sem soluçar, perdida por dentro, como talvez chorem os bichos, mas nessa altura o sol acaba de surgir e a gata se aproxima, pedindo comida." (In Paula”, Isabel Allende)

Nenhum comentário: