20 de nov. de 2005

Vovó

"Pr'algumas pessoas
o tempo tá no seu lugar
Pr'algumas pessoas é cedo
"
(O Vento Frio da Infância – Oswaldo Montenegro)



Foi a primeira coisa em que pensei hoje ao acordar.

Ela gostava de cinema.
Levava mamãe para ver bang-bangs nas matinês. Faz cinquenta anos.
Sabia costurar. Muito bem. (O que me lembra o lindo vestido que mamãe me fez um dia e que jamais esquecerei.)
Era bela, é com ela que Gabi parece.
Chamava meu pai de branco (sempre ríamos muito disso ao contarmo-nos). Faz quarenta anos.

Tinha Susana, pendurada na parede.
Era Susana que batia nas crianças, não ela, provavelmente.
Gostava de frevo, de carnaval. Isto, sei de onde veio. Gostava de dançar.
Uma vez, enlouqueceu. Foi só uma, que a gente saiba.
Um dia, ele foi embora. Ela também foi, depois. Daí, não voltou mais.
Aqui não era seu lugar - boas razões, decerto.
As dele também, talvez - não se pode saber. Nem ela pôde.

Não era para que eu soubesse muito bem o significado da palavra avó, mas sei.
Não foi ela ou outra que ensinou, mas eu sei. Estranhamente.
(Quanta besteira, sei quem ensinou.)
E sei também quem ela foi. Mal a conheci, mas é assim.

Eu a vi apenas uma vez, de plena e sã consciência.
Em criança, não conta, nada vem.
Ela me pareceu trêmula, frágil, esperançosa.
Cabelo, pele, muito brancas.
Eu me senti estranha. Não nos conectamos, nem havia como.
A sensação de perda é real, porém. Está aqui.

Que a viagem seja boa, sem trepidações. "Termina na hora de recomeçar, dobra na esquina no mesmo lugar."





"Dança na sombra da lua
por trás pula atrás do luar
como pula o peixe quando entra numa
pula pula pula no mar
Dança na sombra da lua
tua lua pula e atua
como a tua lua muda de rua
quando tua rua vai despertar
Dança na sombra da lua
que a lua assim vai dançar
na tua sombra, na sombra da lua
que a rua tirou pra dançar"
(Sombra da Lua - José Alexandre/Oswaldo Montenegro)

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