Domingo, umas oito horas da noite.
Moro numa esquina bem movimentada, salvo em alguns feriados mais mortos, como este 21 de abril. A antiquíssima lanchonete Zooburger não estava cheia, como é normal depois de jogos dos times locais, mas havia alguns cara-pálidas por ali. Eu, já de pijama, espiava a noite. Marido via tv na sala. Filhota no computador. Todos meio ressacados da estrada e da modorra de uma véspera de segunda-feira sem compromissos, graças a Deus.
Eu estava meio lerda, é verdade. Desatenta ao que se passava. Mas de repente um objeto pipocou (mera ilustração, não se preocupem) na cena borrada em minha mente. Este aí.
Pronto, despertei. E foi rápido.
A primeira reação é de fuga. Fatal, batata. Ocultei-me atrás da parede e alertei os de casa. Moro em um segundo andar. A cena passava-se do outro lado da rua, exatamente em frente à minha varanda, exatamente na frente da lanchonete. As vítimas - homem grisalho, mulher madura, moças (duas) e menina da idade da minha - desciam de um automóvel para um inocente lanche de fim de domingo, quando dois homens aproximaram-se e abordaram o motorista com a arma.
Passei a imaginar porque estariam ali. O domingo talvez fora muito chato. Na eterna crise da classe média, o lazer é dos primeiros dispensados. A mulher fizera almoço naquele dia. "À noite não cozinho". O homem, para agradar a família, "à noite saimos para lanchar". A Zooburger é boa, barata, tradicional. Para família grande, ideal.
Idéias estapafúrdias e despropositadas, perdoem, queridos leitores.
Como me escondi atrás da parede enquanto pedia "Ligue para o 190!", perdi alguns segundos da cena. Ao retornar, havia uma certa confusão com meus personagens. Alguém falou "bolsa!". A menina queria voltar ao carro e uma das mulheres impedia. Parecia haver algum desentendimento funesto entre o homem grisalho e o homem armado, um negro, magro, com camisa rubro-negra (apenas um detalhe útil e informado a posteriori ao 190). Depois, percebendo o primeiro o que desejava o segundo, mostrou-lhe e entregou a carteira.
Na lanchonete, só então os poucos clientes entendiam o que se passava e corriam para a área interna desta, com gritos. Pela reação, parecia que acabara de haver um tiroteio, o que não foi o caso. Nada mais natural, é certo. Eis a razão porque admiro até hoje o profissionalismo de "meu assaltante". Recordam? Fui assaltada em outubro. O homem de jaqueta, o "dono do meu carro", foi "exemplar", ninguém percebeu o que se passava, ainda que fosse quase dia claro, a esquina estivesse tão agitada e com tantas pessoas próximo. Apenas um rapaz viu, pelo que pude perceber.
Aqui, em nossa cena, os assaltantes partiam no automóvel prata, "Polo Sedan Prata", conforme gritou-me sua dona, atendendo a meus gritos na varanda. Era o 190.
Espiei algumas vezes o local do crime, após o telefonema concluído. Ficou tudo muito calmo, rapidamente. Rapidamente mesmo.
Depois, foi ir para cama e ver o casal Nardoni na televisão. Mentindo? Tétrico.
Que domingo.
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