Essa recebi do Marcelo na lista enanenes, e fui logo me apropriando. Considerei um presente (ando tão egocêntrica por esses dias). Da Adélia também. Este, compensou outro presente de grego que me deram hoje. Foi nisso que resultou assistir Tróia neste fimde, deve ter atraído... Não me deu nada de bom, até porque, ô filminho ruim... Mas vamos ao que realmente importa:
Deus me abreviou os dias tormentosos. Me pôs em maio. Estou em maio. Tenho olhos de novo para moitas floridas margeando a estrada, a mesma onde há pouco Teodoro me levava tentando me reanimar. Abelhas, poeira, um pouco de frio e a luz que só com inocência se descreve :
"hoje fui com minha mãe na casa de vovó Bibina. O dia estava azul-claro e o sol também era amarelo-claro. Minha mãe levou só eu, porque o Luizinho queria colo e ela estava com pressa de chegar por causa do meu pai querendo que ela ajudasse ele a trocar telhas no quartinho de guardar serragem. Tinha duas moitas de uma flor amarela no caminho que minha mãe não deixou eu pegar por causa da pressa. Ela falou assim : ô mês bonito que é maio! Vovó Bibina estava rezando, mandou eu esperar lá pra eu não escutar a conversa e ficou cochichando com minha mãe. Com certeza estavam falando de tia Salô. Quebrei um galho de gerânio e fiquei cheirando e mastigando ele enquanto olhava as galinhas. Na volta a mãe estava mais calma, mas mesmo assim não teve sofrimento de me esperar catar as flores. Em casa acendeu uma vela para Nossa Senhora do Perpétuo Socorro falando assim : bem que eu podia ter deixado você fazer o ramalhete”.
Ramalhete!? Era minha mãe que assim falava? Nunca deixava ver seus brincos de diamante. Pra ela não ralhar comigo e eu perder o amarulez do dia, fiquei muito calada, gozando na sabedoria o caro acontecimento de ter razão na frente de um adulto. Ô mês bonito que é maio! Maio que volta e traz minha mãe, meu pai, vovó Bibina e minha saúde que nunca acabarão, porque o destino do que é ou foi é para sempre ser. Uma vela não se finda, vai para o lugar onde se formam os maios e os meninos, para onde vão os que chamamos mortos. Tudo retorna na “luminosa estação”. Purga-se para mais vida o que vive, por isso dói às vezes o grande corpo de Deus.
Meu pai afunda as mãos na serragem, catando e pondo num balaio os abacates maduros. Vovó Bibina abre o livro na mesma página encardida. Escrevo sem a prancheta, sem almofada às costas e o que não falta é tempo para apanhar as flores. Eterna é uma palavra doce, é terna. "
(Adélia Prado, "Manuscritos de Felipa", Ed. Siciliano)
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