Quanto mais se passam os anos (e com eles iludo-me que aproxima-se a madureza), mais me apercebo com consciência de uma verdade que chegava na juventude por mera intuição: a vida nos leva, e contra este rio não nos cabe navegar. Há que seguir a correnteza. Comigo, foi sempre assim. Decidi muito pouco, compreendo - é leve meu coração, e deixo que a vida me carregue. Foi assim no amor, na vida familiar, na vida, na estrada. Tive sorte: sempre, ao lançar os braços em torno, tocava essa redoma de luz ou plasma na qual me mantêm. Não indaguem-me por que a sei: ela está aqui. A vida nunca me veio com despudor, com falta de medida, sou grata. Retribuo razoavelmente, assim penso. Não é assim com todos que se segue. A vida tem poder para fazer macio e fazer com dor, e há tantos a quem espanca quantos a quem agrada. Não somos, nenhum de nós, intactos a seu toque. A quem já não aconteceu algo cujo propósito escapou à lógica? Os acontecimentos são seus sopros, doces, ou medonhos. A fala popular revela, com sabedoria: "tem Deus seus próprios desígnios"; e é Deus a vida. A vida tem seus próprios motivos, sigilosos a nossa carcaça imperfeita e humana. Feridas se abrem, feridas se fecham, umas passam, outras duram, algumas não fecham nunca (porque será?). Assim é. Porque preciso passar por isto? Por que tem que ser assim? Não nos cabe entender, ainda. “
Segue teu destino, rega tuas plantas, ama tuas rosas”, dizia o poeta. Cabe viver, resistir, empreender, transformar dor em sorriso, afirmar nossa grandeza, ainda que reféns sejamos dessa senhora. Um dia compreenderemos. É preciso crer, e obedecer à vida. Ela é maior do que somos, mas nos ama. Um dia, tocaremos suas vestes e ela sorrirá, alçando-nos a sua altitude e soltando nossos laços. Livres, planaremos junto a seus corpos e a ela nos fundiremos pela eternidade do universo.
"Mas serenamente
imita o Olimpo
no teu coração:
os deuses são deuses
porque não se pensam."
(Fernando Pessoa)
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